Sunday, November 8, 2009

Apocalipse

A revista Época trouxe, há algumas semanas, uma reportagem de capa sobre o lançamento do Kindle no Brasil, o leitor de livros eletrônicos da Amazon, a maior livraria do mundo. O aparelho, disponível nos EUA desde 2007, armazena até 1500 arquivos digitalizados (livros, revistas e jornais), que podem ser lidos confortavelmente em uma tela de seis polegadas com tecnologia e-ink (tinta eletrônica). Hoje, já estão disponíveis para serem lidos através do Kindle cerca de 200 mil títulos. A venda de e-books não esbarra na questão dos direitos autorais, uma vez que remunera os autores e as editoras responsáveis pela produção das obras.

No campo jornalístico, o Kindle tem o potencial de atenuar ou até mesmo reverter a atual crise financeira que acomete os jornais, principalmente os americanos. Com a disseminação dos e-books, é possível que a prática de se pagar para consumir notícias, hoje enfraquecida devido à facilidade de se obter informações pela internet, seja revitalizada. De olho nesse novo mercado, o The New York Times e, no Brasil, o jornal O Globo, já disponibilizaram seus conteúdos na nova plataforma.

Há na reportagem, por outro lado, um exemplo claro do discurso apocalíptico que sempre retorna quando surgem novas tecnologias. O diretor da escola Crushing Academy, de Massachusetts, James Tracy, anunciou que pretende acabar com o acervo de 20 mil livros da biblioteca da escola e substituí-los por leitores digitais. “Quando olho para livros, vejo uma tecnologia ultrapassada, como eram os pergaminhos antes dos livros” opinou. Tal visão, de que uma nova tecnologia vai necessariamente enterrar as mais antigas, é, em essência, a mesma que previu o fim do rádio, da televisão e dos CDs. Mostrou-se sempre equivocada e sem nenhuma perspectiva histórica. O que o tempo ensinou é que as novas tecnologias trocam influências com as antigas, provocando reconfigurações e contribuindo para o enriquecimento da paisagem informacional e cultural.
Também é pouco provável, como afirma Sandra Ferro Espilotro, diretora da Globo Livros, que os leitores de livros eletrônicos aumentem a leitura entre os jovens. Ler é um hábito que se adquire por persistência e esforço próprios e não é uma nova tecnologia, ainda que atraente, que vai incutir ou despertar nos jovens o gosto pelas letras. Prova disso é que a avalanche informativa proporcionada pela internet e pelas novas tecnologias pouco alterou esse cenário: a juventude brasileira continua lendo pouco.
A idéia de se pagar para ter acesso à informação e à produção intelectual também é problemática, uma vez que parece ir na contramão da tendência atual de se compartilhar gratuitamente músicas, artigos, livros e softwares na web. Marcos Palacios, professor da UFBA, é um dos defensores da distribuição do conhecimento livre na internet. Para ele, toda a produção acadêmica deve ser disponibilizada na grande rede. Palacios propôs ao CNPQ, por exemplo, a possibilidade de acessar livremente a produção acadêmica de todos os pesquisadores na Plataforma Lattes.
No caso do Kindle, outra questão pode ser levantada: até que ponto os arquivos comprados nos pertencem de fato se compartilhá-los é impossível? Para além da qualidade da impressão, da textura e do fetiche pelo objeto físico, os livros carregam em si um importante valor de socialização. Ainda que ler seja um ato solitário, uma das principais razões para se comprar uma (boa) obra literária ainda é o compartilhamento do conhecimento adquirido, a discussão de seu conteúdo e o debate e a formação de opiniões sobre os mais variados assuntos.

O desejo da humanidade de reunir em um só lugar todo o conhecimento já produzido é antigo. O imperador grego Alexandre, o Grande, em 300 A.C. tentou materializar essa idéia com a construção da Biblioteca de Alexandria, no Egito, onde pretendia armazenar toda a produção cultural da época. O Kindle parece resgatar essa ambição. No entanto, o aparelho pode não ser tão revolucionário quanto quer fazer acreditar a Amazon e os entusiastas acríticos das inovações tecnológicas. É verdade que ele abre novas possibilidades para o mercado editorial e facilita e acelera o processo de difusão e consumo da informação. Por outro lado, empresas como o Google têm tornado esse caminho mais barato com a tentativa de digitalizar todo o conhecimento humano e disponibilizá-lo gratuitamente. É possível, por exemplo, baixar um livro no Google, armazená-lo em um pendrive e, se assim desejar o leitor, imprimi-lo em casa ou em uma papelaria. Se o Google conseguir vencer as barreiras legais (Copyright) para dar continuidade ao seu projeto, o Kindle poderá perder importância. E,enfim, poderemos descobrir que ele não era tão obrigatório quanto se alardea.

Grupo 6

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