Tuesday, November 3, 2009

O Mundo Codificado dos "Substitutos"

Mesmo sabendo que estamos construindo um mundo de mídias e redes e não de robôs, é impossível assistir ao filme “Substitutos” e sair do cinema sem refletir sobre alguns dos principais questionamentos levantados em sala durante esse semestre e trazidos no livro “O Mundo Codificado” de Vilém Flusser. O filme, que se passa no ano de 2054, inicia fazendo uma retrospectiva de como se deu a evolução tecnológica. A primeira cena mostrada é a de uma reportagem que noticiou o fato de um macaco, ligado a braço robótico estar movimentando-o através de estímulos neurais, nos levando a lembrar – primeiramente – de McLuhan e da sua idéia das mídias eletrônicas como extensões do corpo humano e do sistema nervoso.
Da reportagem até o ano de 2054 a tendência de utilizar robôs para substituir atividades humanas vai se tornando cada vez mais comum, até chegar ao ponto de mais de 90% da população mundial utilizar “substitutos” robóticos – os Surrogates – para “experienciar” o mundo. Enquanto a maior parte do contato com o mundo real passa a ser feita através dos substitutos, os seres humanos permanecem trancados em seus quartos, vivendo solitários e protegidos de doenças, males e violências cotidianas. Os substitutos são utilizados para driblar o medo da morte e a insegurança da vida cotidiana, mas acabam fadando os homens a solidão e depressão pela limitação do contato com o mundo real numa realidade construída.
No decorrer do filme, a personagem vivida pela atriz Rosamund Pike (esposa de Bruce Willis na trama), demonstra que não pensa mais em se relacionar com o mundo sem ser através do seu substituto. Para ela, aquela passou a ser a realidade. “Temos de fato inventado métodos e aparatos que funcionam de modo similar ao sistema nervoso, só que de maneira diferente. Podemos computar esses estímulos (partículas) que chegam por todos os lados de modo distinto ao do SNC. Somos capazes de criar percepções, sentimentos, desejos e pensamentos distintos, alternativos. Reforçando a idéia de que o real não é dado, o real é uma construção ideológica produzida por nós” (Flusser p.78). “Os códigos (e os símbolos que os constituem) tornam-se uma espécie de segunda natureza, e o mundo codificado e cheio de significados em que vivemos (o mundo dos fenômenos significativos, tais como o anuir com a cabeça, a sinalização de trânsito e os móveis) nos faz esquecer o mundo da ‘primeira natureza’. E esse é, em última análise, o objetivo do mundo codificado que nos circunda: que esqueçamos que ele consiste num tecido artificial que esconde uma natureza sem significado, sem sentido, por ele representada.” (Flusser p.90).
Uma das reflexões que o filme nos possibilita fazer se refere à falsa noção de liberdade que o uso das tecnologias nos traz. “Seja o que quiser, faça o que quiser”, diz o slogan da “Virtual Self Industries”, empresa que produz e vende os “substitutos”. Apesar de a companhia prometer uma variedade de modelos de robôs substitutos, a liberdade de escolha é restrita, limitada pelas possibilidades de fabricação, uma “liberdade programada” – como coloca Flusser. “A liberdade de decisão de pressionar uma tecla com a ponta do dedo mostra-se como uma liberdade programada, como uma escolha de possibilidades prescritas. O que escolho, o faço de acordo com as prescrições.” (Flusser p.64). “Essa é, portanto, a liberdade de decisão que nos é aberta pela emancipação do trabalho. Totalitarismo programado. Mas trata-se certamente de um totalitarismo extremamente satisfatório, pois os programas são cada vez melhores. Ou seja, eles contêm uma quantidade astronômica de possibilidades de escolha que ultrapassa a capacidade de decisão do homem. De modo que, quando estou diante de uma decisão, pressionando teclas, nunca me deparo com os limites do programa. São tão numerosas as teclas disponíveis que as pontas dos meus dedos jamais poderão tocá-las todas. Por isso tenho a impressão de ser totalmente livre nas decisões” (Flusser p.64-65).
Mesmo levando em consideração o já citado fato de que não estamos construindo um mundo de robôs, o filme soa como uma espécie de alerta a um Determinismo Tecnológico – que não ocorrerá, pelo menos não da forma como é retratado. No filme, o próprio criador da tecnologia dos “Substitutos” tenta dar freios ao desenvolvimento e propagação da sua criação, mas, para isso, quer exterminar todas as pessoas que se utilizam dela. Essa mesma idéia está presente no livro “O Mundo Codificado” através da metáfora do carro em movimento. Flusser escreve: “Há pouco tempo tornou-se claro que os atritos que detêm a roda do progresso podem ser superados de modo efetivo, e que o progresso começa então de fato a rolar automaticamente. Ele se torna um automóvel. E assim qualquer mudança de direção da roda por parte da humanidade se torna desnecessária. O progresso começa a derrapar, como acontece com os carros que estão numa pista no gelo. E existe o perigo de que, em meio a um progresso que desliza sem atritos, a humanidade seja atropelada exatamente quando tenta pisar no freio” (Flusser p.74).
Érico Borgo, crítico de cinema, afirma no site Omelete que, de certa forma, os substitutos retratados no filme já existem: “A chance de viver uma vida em um corpo completamente diferente do seu está devidamente pesquisada e registrada hoje em dia. O que são o Second Life e os MMORPGs se não exatamente isso? A oportunidade de deixar seu corpo para trás e embarcar em aventuras e situações que você não viveria de outra forma? Mas no mundo de Substitutos a opção parece meramente estética e sexual. Flerta-se usando um corpo do sexo oposto, praticam-se esportes radicais com mais freqüência ou situações de risco são abraçadas sem medo... mas é só. Basicamente, as pessoas têm os mesmos empregos enfadonhos e a sociedade opera da mesma forma - só que todos são bonitos como Barbies e Kens. Excluindo dois solitários esquisitos que aparecem no Metrô, onde estão as pessoas aladas, os alienígenas, a moda extravagante que é abundante no Second Life?”.
A fala que mais marca no filme vem de uma espécie de profeta, líder dos menos de 10% nos seres humanos que não admitem a utilização dos substitutos. Ele diz: “Só nos conectaremos a vida quando nos desconectarmos das máquinas”. É impossível que o discurso dele se concretize. A técnica é inerente ao homem. Produzimos e utilizamos artifícios, para facilitar e dar sentido as nossas vidas, para ir além do “aqui e agora”.

Assista ao trailer do filme:

Grupo 8

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