Thursday, October 22, 2009

"Rice, beans... rice and beans!"- uma reflexão sobre o documentário “Surplus”.

'Surplus' (Terrorized Into Being Consumers, 2003) é um documentário sueco que analisa o modo de vida da sociedade contemporânea vive. O diretor italiano Erik Gandini viajou durante três anos para diversos países- como Cuba, Índia e Eua- para representar a ordem sob a qual vivemos. Amplamente divulgado pela Internet, o documentário questiona principalmente a lógica do consumo na qual a humanidade está inserida.

Produções em série, governos ditatoriais, guerras civis e a hegemonia de grandes empresas no mundo são umas das diversas questões que são sobrepostas na abordagem sobre o mundo atual. O principal teórico do movimento anti-civilização, John Zerzan, pontua boa parte das reflexões sobre a sociedade do consumo ao longo do filme. Referido por muitos como “anarco primitivista”, Zerzan ganhou destaque a partir da década de 1980 e os seus argumentos se baseiam na defesa de uma volta ao primitivismo pelo homem.

Os aparatos tecnológicos são postos pelo documentário como criadores de novos desejos de compra. O argumento que condena então a tecnologia é o de que a evolução tecnológica deveria libertar o homem, diminuindo o seu trabalho. E o que acontece é que estamos cada vez mais dependentes destas ferramentas técnicas para executarmos tarefas. Isso não é necessariamente ruim, assim como não é brutamente negativo o fato de sermos uma sociedade do consumo.

O ponto é o que o documentário acaba por cair na dicotomização de um mundo onde existem os “espertos” que produzem propagandas para o consumo e o “homem passivo” que as consome sem maiores questionamentos. Ora, todos sabemos que a questão não deve ser vista assim de forma tão simplista. Não existe somente “dois lados da moeda” e muito menos produtores e consumidores no mundo de hoje. Todos consumem informação e todos são capazes de produzí-la e distribuí-la. A experiência da web nos prova justamente isto.

A grande questão é que nós, seres humanos, somos movidos pelo desejo. Como já pontuaram diversos estudiosos, o desejo é humano, puramente humano. O desejo (D.: Wunsch), tal como é entendido pela psicanálise, não é a mesma coisa que a necessidade: enquanto a necessidade é um conceito biológico, natural, o desejo é da ordem psíquica. Portanto, o desejo, assim como a pulsão, nos diferencia dos animais, uma vez que estes são seres de puro instinto, seres de necessidade.

Para Freud, o desejo é o que põe em movimento o nosso aparelho psíquico e o orienta segundo a percepção do agradável e do desagradável. Indo além, o desejo é o próprio meio de se chegar à felicidade. O problema é que sempre adiamos a satisfação do desejo de forma que nunca a atingimos: o desejo, então, é uma busca pelo impossível, segundo a psicanálise.

Os nossos desejos são, sem dúvida, mais explorados nesta “era da imagem técnica”, onde os nossos sentidos são reconfigurados cotidianamente. É o que expõe Vilém Flusser no seu livro O mundo Codificado. Para Flusser, foi a partir da necessidade de se comunicar e de registrar o seu legado para as gerações futuras que o homem desenvolveu símbolos e códigos através dos quais pudesse expressar os seus desejos e inspirações.

Na nossa sociedade do consumo, o desejo funciona ainda mais como combustível. A garota cubana que descreve a sua experiência de ter ido à Inglaterra talvez seja quem representa melhor no filme essa questão fundamental. É a partir do seu depoimento entusiasmático sobre consumir “a super Mac, a big ,big, Big Mac!” que percebemos por que, por um lado, não faz sentido para o homem estar inserido num sistema político onde seus desejos não possam ser sanados. Para a garota, não fazia sentido comer arroz e feijão num lugar onde ela poderia consumir fast food- uma vez que um Bic Mac lhe era configurado como um objeto de desejo, por assim dizer.



É neste ponto do documentário onde se consiste a relativização dos contextos contemporâneos anteriormente expostos. Não mais caímos no pensamento de Zerzan onde o fim do consumo é a solução para este tal “excedente”- como sugere o próprio título ‘surplus’- em que se vive.

Assista ‘Surplus’ aqui.

Grupo 2.

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