Monday, November 30, 2009

Reflexões



Recentemente, revi esta cena do filme Antes do Amanhecer. O filme é alvo de paixão por muitos, mas o gosto não vem ao caso nesse blog. À parte de todo o romantismo e das discussões sobre o amor, o filme é repleto de diálogos sobre a vida, de modo geral, entre dois jovens comuns (embora de nível cultural, no sentido academicista do termo, nitidamente apurado) antes completamente desconhecidos.

Há, especialmente, uma parte em que a personagem Celine diz: "Acredito que se há algum Deus, ele não estaria em nenhum de nós. Não em você ou em mim... mas nesse espaço entre nós... Se há algum tipo de magia no mundo, ela deve estar na tentativa de entender e compatilhar algo com alguém. Sei que é praticamente impossível conseguir... Mas e daí? A resposta deve estar na tentativa." Eis o motivo de citar o filme aqui: a lembrança que tive de nossas discussões sobre o ato de comunicar, durante as aulas.

Como André Lemos ressaltou algumas vezes, existe algo de mágico na comunicação. Se fosse empregado o conceito de comunicação como troca entre consciências (para mim, o sentido mais amplo do termo, que exclui o que campos como a Semiótica consideram como Comunicação), o qual Lemos parece corroborar, esse tão falado ato, de fato, pode ser considerado impossível, ou improvável, como pondera Niklas Luhmann.

Para o escritor Milan Kundera, estar ligado a alguém é como entrelaçar sonatas compostas por cada vida. Disso podemos fazer diversos desdobramentos: até que ponto as sonatas podem se misturar sem que se torne um conjunto de sons dissonantes e, portanto, sem correlação entre si? Até que ponto a dissonância não faria parte essencial do que somos e o ato de comunicar não estaria intrínseco a ela?

No raciocínio de Kundera, aplicado aos relacionamentos amorosos - mas ampliado por mim, por mais leviano que seja, aos relacionamentos de modo geral, existe um ponto de nossas vidas em que não há mais como entrelaçar essas sonatas. Em que, cada léxico do ser, profundamente ligado a suas experiências, não teria paralelo ao léxico sentimental ou existencial de outro, e ambos falariam linguagens completamente distintas, sem nunca alcançar o que o outro realmente quer dizer. Isso remete, para mim, novamente à improbabilidade da Comunicação e ainda a outro texto, que, diferentemente da opinião de Kundera, amplia o deslize de sentidos ao máximo:

“Já estamos entendendo errado as pessoas antes mesmo de encontrá-las, enquanto ainda estamos prevendo o que vai acontecer; entendemos errado enquanto estamos diante delas; e depois vamos para casa e contamos a alguém sobre o encontro, e de novo entendemos tudo errado. Uma vez que a mesma coisa acontece com os outros em relação a nós, tudo vira uma ilusão desnorteante, destituída de qualquer percepção, uma espantosa farsa de incompreensões. E, com tudo isso, o que é que vamos fazer a respeito dessa questão profundamente significativa que são as outras pessoas, que se veem drenadas de toda a significação que julgamos ser a delas e adquirem, em vez disso, um significado burlesco, o que vamos fazer se estamos tão mal equipados para distinguir os movimentos interiores e os propósitos invisíveis uns dos outros? Será que todo o mundo devia trancar a porta de casa e ficar quieto, isolado, como fazem os escritores solitários, em uma cela a prova de som, invocando as pessoas por meio de palavras e depois sugerindo que essas pessoas feitas de palavras estão mais próximas das coisas reais do que as pessoas reais que deturpamos todos os dias com a nossa ignorância? Persiste o fato de que entender direito as pessoas não é uma coisa própria da vida, nem um pouco. Viver é entender as pessoas errado, entendê-las errado, errado e errado, para depois, reconsiderando tudo cuidadosamente, entender mais uma vez as pessoas errado. É assim que sabemos que continuamos vivos: estando errados. Talvez a melhor coisa fosse esquecer se estamos certos ou errados a respeito das pessoas e simplesmente ir vivendo do jeito que der. Mas se você é capaz de fazer isso… bem, boa sorte.” Philip Roth (excerto de Pastoral Americana, 1997)


De modo que, do meu deslumbramento com esse trecho, com o entender errado, retiro ainda a impressão de que a literatura consegue dizer tudo isso muito melhor do que todos os teóricos. O erro e o desenlace fariam mesmo parte das nossas existências? E qual a solução para as nossas angústias, a nossa busca de entendimento - que, afinal, seria sinônimo, também, de comunicação?

O que é, afinal, esse monstro de que tanto falamos e o qual nunca pensamos atingir? Persiste em mim a dúvida, no fim do quarto semestre (opa, isso já é metade do curso! Que espécie de fraude sou eu, que chego até esse ponto com tantas questões?). Persiste o pensamento, também, de que talvez Roth esteja certo. O jeito é entender que tudo isso é algo mágico e mesmo inalcançável. De que as sonatas, como diz Milan Kundera, podem até se entrelaçar, mas nunca serão unas. E o espaço que existe entre um ser e o outro, entre a minha consciência e a de todo o resto das pessoas do mundo é infinito. E que, nesse mar sem fim de incompreensões em que estamos submersos, uma ameaça de uma bóia atirada de um navio qualquer em que outra consciência estaria já é um alento.

Seria desse tipo a aproximação feita entre o casal do filme?

Vale, como diz Celine, a tentativa. Ou "ir vivendo do jeito que der", nas palavras de Roth, mas com a destreza de uma canção de amor (para não dizer sonata), talvez? Ainda não sei.

Só pratico aqui uma das poucas coisas que aprendi da Semiótica: existimos por meio de palavras. Somos, afinal, "pessoas feitas de palavras", cujos significados são múltiplos e capazes de atordoar qualquer mensuração.

Grupo 8.

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