Sunday, December 6, 2009

Reflexões - Parte II

Aproveitando um pouco as férias por antecipação (já que ainda não tivemos notas tanto nesta quanto nas demais disciplinas), andei olhando anotações antigas e os livros que gosto e, em certo sentido, sinto-me flanando em minhas próprias memórias, tanto de quando li tais livros ou trechos, quanto do que eles me fizeram pensar. Afirmo que passear pelas memórias através de coisas materiais é flanar porque essa experiência não é uma mera repetição daquela de outrora. Vejo sempre algo mais, uma coisa nova revestida por um ângulo que, na época do ocorrido, não era capaz de ver. E este princípio filosófico de tão simplório (que vem de Heráclito, fundador da dialética) a mim mais parece revelador.

Ao deparar-me com a frase "A explicação é um erro bem-vestido", do escritor argentino Julio Cortázar, lembrei-me de quando li o livro que a contém - "O Jogo da Amarelinha", clássico (moderno) desse autor. Àquela época, esperava ainda o início das aulas do primeiro semestre da FACOM e tudo o que sabia de comunicação era relativo (mas eu não fazia idéia disso) à teoria matemática da comunicação. Emissor, receptor, canal, ruído - são esses os conceitos e a idéia de comunicação que temos (quando temos) no ensino médio brasileiro. Logo no primeiro semestre, uma revelação: o erro faz parte. A explicação, ora! é um erro bem vestido. Não há ruído entre seres humanos, porque a idéia de ruído supõe que a comunicação prevaleça ou deva prevalecer - o que não acontece. Você tenta se fazer entender, mas aquilo parte de uma sucessão de incompreensões e diferenças, como lembrei, no meu último post, através de um texto de Philip Roth. Mas a isso ainda persistem uma série de dúvidas, como acredito que esteja perceptível ainda nesse texto.

E por que escrevo tudo isto, se ainda não encontrei caminhos naquelas mesmas dúvidas? Encontrei hoje outro trecho de Julio Cortázar, do mesmo livro. Não consigo me lembrar por que separei esse trecho, em especial, mas encontrá-lo complementa aquelas idéias anteriores:

"Você fala de nos entendermos, mas no fundo se dá conta de que eu também gostaria de me entender com você, e você quer dizer muito mais do que a sua própria pessoa. Conformamo-nos com muito pouco. Quando os amigos se entendem bem entre si, quando os amantes se entendem bem entre si, quando as famílias se entendem bem entre si, então acreditamos estar em harmonia. Engano puro, espelho para cotovias. Às vezes sinto que entre dois seres que quebram a cara um do outro com bofetões há muito mais entendimento do que entre os que estão olhando de fora."

O texto remete a algumas coisas interessantes, como a certeza mútua que deveríamos ter de que buscamos nos entender. Não estou certo de que estejamos conscientes dessa busca coletiva, mas talvez "no fundo" nos demos conta disto. E por que não temos essa convicção completa? Por que não conseguimos nos entender? "Contentamo-nos com muito pouco". Contentamo-nos com um entendimento superficial das coisas, na maioria das vezes. Contentamo-nos, muitas vezes, com uma explicação hermética dada por professores. Contentamo-nos com a passividade de uma aula explicativa (e a explicação, mais um vez, seria um erro bem-vestido, desses muito elegantes), sem, no fundo, buscar entender ao fundo o que é aquilo. É a isso que, no meio acadêmico, entendo por harmonia e vejo, particularmente, de forma negativa. E, no entanto, confesso: não é à toa que coloco esse texto no plural ("contentamo-nos")...

Pesa o fato de que, para a comunicação em seu estágio mais amplo, a harmonia não ajuda em nada. É o choque, o conflito: isso que buscamos. É por isso que entre dois que discutem há mais entendimento que entre os passivos. É por isso que as coisas deveriam ser ditas, tanto em família, quanto entre amantes ou... na sala de aula.

Porém, mais uma vez, prevalece, para mim, o "ir vivendo do jeito que der", de Philip Roth. Não somos perfeitos. Não conseguimos fazer o que queremos, muito menos aquilo que esperam de nós. E todo esse discurso que aqui me parece quase uma auto-ajuda, um discurso fajuto como Paulo Coelho e companhia, só serve para dizer o seguinte: mal ou bem, vamos vivendo nessa faculdade, tentando entender as matérias e cumprir o esperado. Bem ou mal, chegamos até aqui e a maioria provavelmente passará sem sobressaltos esse estágio...

Mas tudo isso não passa, afinal, de um erro bem-vestido. Sufocado em palavras de uma pessoa feita de palavras (como todas as outras). Enfim, isso tudo é só um adeus. À disciplina, mas não àquelas dúvidas, não à reflexão.


Grupo 8

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Monday, November 30, 2009

Reflexões



Recentemente, revi esta cena do filme Antes do Amanhecer. O filme é alvo de paixão por muitos, mas o gosto não vem ao caso nesse blog. À parte de todo o romantismo e das discussões sobre o amor, o filme é repleto de diálogos sobre a vida, de modo geral, entre dois jovens comuns (embora de nível cultural, no sentido academicista do termo, nitidamente apurado) antes completamente desconhecidos.

Há, especialmente, uma parte em que a personagem Celine diz: "Acredito que se há algum Deus, ele não estaria em nenhum de nós. Não em você ou em mim... mas nesse espaço entre nós... Se há algum tipo de magia no mundo, ela deve estar na tentativa de entender e compatilhar algo com alguém. Sei que é praticamente impossível conseguir... Mas e daí? A resposta deve estar na tentativa." Eis o motivo de citar o filme aqui: a lembrança que tive de nossas discussões sobre o ato de comunicar, durante as aulas.

Como André Lemos ressaltou algumas vezes, existe algo de mágico na comunicação. Se fosse empregado o conceito de comunicação como troca entre consciências (para mim, o sentido mais amplo do termo, que exclui o que campos como a Semiótica consideram como Comunicação), o qual Lemos parece corroborar, esse tão falado ato, de fato, pode ser considerado impossível, ou improvável, como pondera Niklas Luhmann.

Para o escritor Milan Kundera, estar ligado a alguém é como entrelaçar sonatas compostas por cada vida. Disso podemos fazer diversos desdobramentos: até que ponto as sonatas podem se misturar sem que se torne um conjunto de sons dissonantes e, portanto, sem correlação entre si? Até que ponto a dissonância não faria parte essencial do que somos e o ato de comunicar não estaria intrínseco a ela?

No raciocínio de Kundera, aplicado aos relacionamentos amorosos - mas ampliado por mim, por mais leviano que seja, aos relacionamentos de modo geral, existe um ponto de nossas vidas em que não há mais como entrelaçar essas sonatas. Em que, cada léxico do ser, profundamente ligado a suas experiências, não teria paralelo ao léxico sentimental ou existencial de outro, e ambos falariam linguagens completamente distintas, sem nunca alcançar o que o outro realmente quer dizer. Isso remete, para mim, novamente à improbabilidade da Comunicação e ainda a outro texto, que, diferentemente da opinião de Kundera, amplia o deslize de sentidos ao máximo:

“Já estamos entendendo errado as pessoas antes mesmo de encontrá-las, enquanto ainda estamos prevendo o que vai acontecer; entendemos errado enquanto estamos diante delas; e depois vamos para casa e contamos a alguém sobre o encontro, e de novo entendemos tudo errado. Uma vez que a mesma coisa acontece com os outros em relação a nós, tudo vira uma ilusão desnorteante, destituída de qualquer percepção, uma espantosa farsa de incompreensões. E, com tudo isso, o que é que vamos fazer a respeito dessa questão profundamente significativa que são as outras pessoas, que se veem drenadas de toda a significação que julgamos ser a delas e adquirem, em vez disso, um significado burlesco, o que vamos fazer se estamos tão mal equipados para distinguir os movimentos interiores e os propósitos invisíveis uns dos outros? Será que todo o mundo devia trancar a porta de casa e ficar quieto, isolado, como fazem os escritores solitários, em uma cela a prova de som, invocando as pessoas por meio de palavras e depois sugerindo que essas pessoas feitas de palavras estão mais próximas das coisas reais do que as pessoas reais que deturpamos todos os dias com a nossa ignorância? Persiste o fato de que entender direito as pessoas não é uma coisa própria da vida, nem um pouco. Viver é entender as pessoas errado, entendê-las errado, errado e errado, para depois, reconsiderando tudo cuidadosamente, entender mais uma vez as pessoas errado. É assim que sabemos que continuamos vivos: estando errados. Talvez a melhor coisa fosse esquecer se estamos certos ou errados a respeito das pessoas e simplesmente ir vivendo do jeito que der. Mas se você é capaz de fazer isso… bem, boa sorte.” Philip Roth (excerto de Pastoral Americana, 1997)


De modo que, do meu deslumbramento com esse trecho, com o entender errado, retiro ainda a impressão de que a literatura consegue dizer tudo isso muito melhor do que todos os teóricos. O erro e o desenlace fariam mesmo parte das nossas existências? E qual a solução para as nossas angústias, a nossa busca de entendimento - que, afinal, seria sinônimo, também, de comunicação?

O que é, afinal, esse monstro de que tanto falamos e o qual nunca pensamos atingir? Persiste em mim a dúvida, no fim do quarto semestre (opa, isso já é metade do curso! Que espécie de fraude sou eu, que chego até esse ponto com tantas questões?). Persiste o pensamento, também, de que talvez Roth esteja certo. O jeito é entender que tudo isso é algo mágico e mesmo inalcançável. De que as sonatas, como diz Milan Kundera, podem até se entrelaçar, mas nunca serão unas. E o espaço que existe entre um ser e o outro, entre a minha consciência e a de todo o resto das pessoas do mundo é infinito. E que, nesse mar sem fim de incompreensões em que estamos submersos, uma ameaça de uma bóia atirada de um navio qualquer em que outra consciência estaria já é um alento.

Seria desse tipo a aproximação feita entre o casal do filme?

Vale, como diz Celine, a tentativa. Ou "ir vivendo do jeito que der", nas palavras de Roth, mas com a destreza de uma canção de amor (para não dizer sonata), talvez? Ainda não sei.

Só pratico aqui uma das poucas coisas que aprendi da Semiótica: existimos por meio de palavras. Somos, afinal, "pessoas feitas de palavras", cujos significados são múltiplos e capazes de atordoar qualquer mensuração.

Grupo 8.

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