Resenha: A Poética da repetição em Surplus
Grupo 1
Surplus (2003) é um documentário sueco que coloca em evidência o consumo desenfreado das sociedades capitalistas contemporâneas e os problemas gerados pelo excesso da produção em massa no mundo. Seja pelo viés do capitalismo esmagador americano ou pelo socialismo decadente de Cuba, o vídeo dispara crítcas ácidas às patologias sociais de um mundo pautado pelo poder (seja econômico ou simbólico). Para sustentar um discurso tão inflamado, o documentário se divide em blocos regados por músicas e cenas belíssimas… Como em um videoclipe que martela os ouvidos e olhos de seus espectadores.
Pode-se perceber um forte posicionamento crítico quanto aos usos tecnológicos empregados pelos países capitalistas, visando à propaganda política e o estímulo ao consumo. O consumismo e a busca incessante pelo lucro são representados de tal maneira que o indivíduo é reduzido a ser um funcionário da técnica, sendo que os detentores dos meios - os "developers" comandam de forma verticalizada uma grande massa de trabalhadores. Em analogia à máquina capitalista, é apresentado o caso da Cuba socialista. Para poder condicionar sua população ao regime, Cuba opera de maneira inversa em relação ao consumo, controlando-o, mas também se utiliza de técnicas publicitárias para convencer essa população a aceitar este controle.
A estrutura de videoclipe do filme é utilizada de maneira similar ao retratar o capitalismo norte-americano e o socialismo cubano: duas faces de uma mesma moeda, sociedades controladas por uma minoria poderosa e habitada por uma maioria ignorante e massificada. Marcado pela batida minimalista da música eletrônica, por imagens que se repetem e por diferentes discursos com trechos sincronizados, essa poética do loop (imagens e sons repetidos) hiper-amplia um efeito estético de alienação e amplia a idéia de consumo massivo. As imagens do documentário e a maneira como o áudio se encaixa nelas lembram vagamente trechos da forma como os vídeos usados para lavagem cerebral são retratados em filmes das décadas de setenta e oitenta, e os recursos de montagem criam truques até mesmo engraçados, como fazer Fidel parecer estar dizendo "I love this company", frase anteriormente usada por um outro personagem do documentário num congresso da Microsoft.
Sem dúvida, mais do que qualquer outra coisa no documentário, sua construção enquanto obra audiovisual salta aos olhos do espectador de Surplus. As opiniões defendidas pelo documentário, no entanto, são radicais e deixam de notar nuances sobre a sociedade atual. A questão dos meios técnicos manipulados por um grupo privilegiado de detentores de riquezas deixa de lado as apropriações feitas por indivíduos e agrupamentos sociais. Diversas estratégias políticas desenvolvidas por movimentos minoritários, por exemplo, utilizam da Internet como instância organizadora - através de e-mails e listas - e de visibilidade, com o Youtube, os blogs e as redes sociais. Estas últimas, as redes sociais, devemos lembrar que são mídias pós-massivas que permitem participação do usuário reconfigurando seus limites e oferecendo um amplo leque de possibilidades de uso. Portanto, não se tem um irracinal domínio técnico guiando o destino da humanidade. As tradições, a historicidade que contextualiza o indivíduo, não podem ser descartadas como se houvesse a diminuição da liberdade do indivíduo ao ponto dele praticamente se tornar uma máquina por conta de um suposto "impacto tencnológico" - idéia rejeitada por teóricos contemporâneos como Lévy, para quem a técnica só pode ser separada da cultura ou da sociedade através de uma postura analítica típica da modernidade e, portanto, para quem a noção de "impacto tecnológico"
não faria sentido.
Por fim, merece atenção o destaque dado aos argumentos defendidos por John Zerzan, filósofo e escritor anarquista norte-americano. Zerzan defende que, praticamente, deveríamos voltar a uma fase pré-técnica (um “primitismo”) como se essa fosse a solução para a humanidade e suas patologias socioculturais. Essa idéia partilha de uma visão da técnica como algo externo e dominador na vida humana o que segundo autores como Pierre Levy não seria verdade, pois “o homem é desde sempre técnico,” ou seja, a técnica está intimamente ligada a aspectos sociais e culturais. Segundo Heidegger, o homem é “estranho” à natureza e precisaria “construir para habitar,” logo fica claro como o argumento “anti-técnica” levantado por Zerzan no documentário não se sustenta.
Surplus: Terrorized Into Being Consumers
Labels: documentário, resenha de aula, surplus
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